Meteoritos contam histórias

Lilian Pera – Grupo Alfa Crucis

10/03/2019

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1. Introdução

Poderia ser a cena de um filme. Em um platô de areia na costa do Saara, um piloto do correio aéreo da linha Casablanca-Dacar pousa em busca de um refúgio. Enquanto caminha pelo areal, faz uma descoberta. Em suas próprias palavras:

… Lençol imaculado estendido sob a pureza do céu. E senti alguma coisa no coração, assim como no limiar de uma grande descoberta, quando descobri sobre esse lençol, a 15 ou 20 metros de mim, um pedaço de pedra negra. […] O coração batendo com força, abaixei-me para apanhar o meu achado; um pedaço de pedra dura, negra, do tamanho de um punho, pesada como metal, em forma de lágrima. (SAINT-EXUPÉRY, 2015)

Além de piloto e explorador, possuía uma verve filosófico-científica que incluía em seus escritos:

Um lençol estendido sob uma macieira só pode receber maçãs; um lençol estendido sob as estrelas só pode receber poeira dos astros. Nunca nenhum aerólito havia mostrado a sua origem com uma tal evidência. Então, naturalmente, erguendo a cabeça, refleti que, do alto daquela macieira celeste, outros frutos deveriam ter caído.

[…]

Catei aerólitos na razão aproximada de um por hectare. Sempre aquele aspecto de lava petrificada. Sempre aquela dureza de diamante negro. E eu assistia, assim, numa recapitulação empolgante, do alto do meu pluviômetro para estrelas, a uma lenta chuva de fogos. (SAINT-EXUPÉRY, 2015, edição não paginada.)

O piloto da aventura citada é o também escritor e ilustrador francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), mais conhecido pelo livro infanto-juvenil O pequeno príncipe, publicado em 1943, durante seu exílio nos Estados Unidos. Os trechos destacados anteriormente são de seu livro Terra dos homens, publicado em 1939 na França.

Saint-Exupéry usou o termo aerólito, que é um meteorito rochoso.

2. O que é um meteorito?

Meteoritos são fragmentos de corpos sólidos do Sistema Solar que sobreviveram à passagem pela atmosfera terrestre. Enquanto vagam pelo espaço, são qualificados como meteoroides e podem ter dimensões variadas, maiores que uma molécula (como partículas de poeira) e menores que um asteroide, com massas de várias toneladas. Quando atravessam a atmosfera, são conhecidos como meteoros.  Meteoro é um termo genérico para todos os fenômenos atmosféricos. Podem ser de naturezas diversas: acústica (como o trovão), elétrica (como os raios e os sprites) e luminosa (como as auroras e o arco-íris). Outros exemplos: chuva, neve, fumaça, névoa, nuvens e as populares “estrelas cadentes” ou meteoros luminosos, os rastros de luz brilhante que prenunciam a aterrissagem da rocha espacial.   Vencida a atmosfera, quando o meteoro consegue atingir o solo, ganha o sufixo “ito”, que denomina rocha sobre a superfície terrestre. O sufixo nominal “ito”, dentre outros empregos no idioma português, na terminologia geológica é utilizado especificamente para expressar a ideia, conceito ou compreensão de rocha.

3. Tipos de meteoritos

Classificam-se os meteoritos de várias maneiras e uma forma simplificada é pelo teor de ferro-níquel e silicatos, em três tipos:

  • Aerólitos ou rochosos: com teor de ferro-níquel menor que 30%, formados basicamente de silicatos e, sendo os mais comuns, representando cerca de 94% da amostra total de meteoritos conhecidos;
  • Sideritos ou metálicos: com teor de ferro-níquel maior que 90%, representam cerca de 5% do total de meteoritos conhecidos até o momento;
  • Siderólitos ou litossideritos: mistos de materiais metálicos e rochosos, com teor de ferro-níquel entre 30% e 65%, possuindo silicatos e ferro-níquel em proporções equivalentes. São os mais raros, constituindo cerca de 1% da amostra total de meteoritos conhecidos.

Cada um desses três tipos pode ser dividido em subtipos, de acordo com as estruturas internas, composições químicas, mineralógicas e diferenças petrológicas, ou seja, segundo sua origem e história. Aerólitos ou rochosos são subdivididos em condritos e acondritos; sideritos ou metálicos têm como subtipos os octaedritos, hexaedritos e ataxitos; siderólitos ou litossideritos têm como subtipos principais os palasitos e mesossideritos.

Figura 1. Remaglitos no siderito Canyon Diablo, EUA. Imagem: PERA L.N.S., 2014. Acervo do Royal Ontario Museum, Canadá.

4. Um bom local para procurar meteoritos

Voltando a Saint-Exupéry, pode-se afirmar que ele estava no melhor lugar possível para seus achados. Regiões desérticas são muito propícias para a caça de meteoritos, pois são ambientes onde estão ausentes a umidade e a ação corrosiva da água corrente, que são grandes agentes do intemperismo. Se a rocha espacial não é identificada logo, começa a se misturar com as rochas terrestres e macroscopicamente não se notam diferenças marcantes ao olhar leigo. Os meteoritos metálicos permanecem identificáveis quando apresentam remaglitos, pequenos sulcos semelhantes a marcas de dedos em uma massa de modelar (Figura 1), e também pelo peso, que é sempre maior (o dobro ou triplo) que o de outras rochas.

A Antártida também é um deserto gelado com vários meteoritos recuperados. Um caso famoso foi o do meteorito Allan Hills 84001, encontrado em 1984. Em 1996, uma equipe de astrobiologia do Centro Espacial Lyndon Johnson “enxergou” possíveis sinais de vida antiga marciana na forma alongada que poderia ser o fóssil de um organismo simples, que teria vivido há mais de 3,6 bilhões de anos (Figura 2); anunciaram também a detecção de alguns minerais carbonatados e glóbulos que poderiam ter se formado pela ação de micro-organismos marcianos. Em dezembro de 2000, um novo relatório descreveu pequenos cristais de magnetita no ALH84001. Na Terra existem cristais idênticos, produzidos por bactérias magnéticas em ambientes aquáticos, mas ainda não existe um consenso sobre essas possibilidades de vida ou sinais de vida nesse fragmento único de rocha marciana e as pesquisas prosseguem.

Figura 2. Vista microscópica da estrutura interna do meteorito ALH84001. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=229231>. Acesso em: 22/02/2019.

5. De onde vêm os meteoritos?

Uma parte é proveniente do Cinturão de Asteroides entre os planetas Marte e Júpiter, como os exemplares do planeta anão Ceres e do asteroide Vesta; também podem ser originários da Lua, de Marte e até mesmo de cometas. Dependendo do astro de origem ou de qual camada do planeta o fragmento é oriundo, diferentes estruturas e composições químicas são identificadas. A referência a diferentes camadas implica corpos totalmente diferenciados, por exemplo, com núcleo metálico, manto de silicatos e crosta basáltica. Se um meteorito é metálico, certamente é fragmento do núcleo; se é misto, sua origem deve estar numa região entre o núcleo e o manto; se é rochoso, pode ser do manto ou da crosta do corpo original.

Existe um raro meteorito brasileiro no American Museum of Natural History, em Nova York, EUA, que representa bem o que é um meteorito diferenciado, que se originou da crosta de seu corpo parental. Oportuno explicar que o meteorito recebe o nome da localidade mais próxima em que caiu ou foi encontrado, seja uma cidade ou acidente geográfico; por exemplo, o meteorito Ibitira (Figura 3) teve sua queda registrada em 30 de junho de 1957, na região da Vila de Ibitira, em Martinho Campos, MG, Brasil. É um acondrito do tipo eucrito que apresenta vesículas que se formam quando gases ficam aprisionados, sendo parecido com o basalto e as lavas terrestres, mas de uma cor cinza clara. Segundo Scorzelli (2010), é um meteorito com textura bastante singular e o único conhecido a apresentar vesículas.

Figura 3. Acondrito Ibitira. Imagem: PERA, L.N.S., 2014. Acervo do American Museum of Natural History, Nova York, EUA.

6. Meteoritos dos tipos fall e find

Meteoritos do tipo fall ou de queda avistada são os que têm os registros de avistamentos de meteoros e bólidos, com triangulações de trajetórias para se buscar o local provável da queda e possível recuperação de fragmentos. Os meteoritos do tipo find ou achados são aqueles caídos geralmente há muito tempo e que são encontrados fortuitamente, como os aerólitos de Saint-Exupéry.

O acondrito Ibitira é um meteorito brasileiro do tipo fall, cujo bólido foi observado por um associado do Centro de Estudos Astronômicos César Lattes, hoje Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais (Ceamig), cuja direção prontamente enviou solicitações de testemunhos visuais a todas as prefeituras municipais e jornais regionais num raio de 100 quilômetros de Belo Horizonte. A partir das informações recebidas e triangulação de trajetórias, estabeleceu-se o possível local de queda na região de Martinho Campos, próximo da Vila de Ibitira. Expedições foram feitas para a busca de meteoritos, mas nada encontraram no cerrado. Regiões de vegetação têm acesso e visualização incomparavelmente inferiores aos desertos. Resumidamente, um lavrador da região havia saído em busca de lenha e encontrou uma rocha diferente, que apanhou e entregou ao boticário local; assim foi recuperado o meteorito Ibitira, com cerca de 2,5 quilogramas.

Segundo Smith (2011), até meados da década de 1960, cerca de 1.800 meteoritos eram conhecidos, sendo que aproximadamente 43% eram do tipo fall. Em 2009, o número de meteoritos conhecidos chegou a 35.783, com 2,74% de falls. O decréscimo dos meteoritos do tipo fall e crescimento de espécimes do tipo find se justificam por vários fatores. Alguns lugares como os desertos são propícios para se procurar meteoritos. Além disso, onde se acha um fragmento é provável se encontrar mais pedaços da mesma rocha, que, quando explode a cerca de 9 quilômetros de altitude, espalha fragmentos ao longo de uma área conhecida como elipse de dispersão, cobrindo uma região extensa que pode chegar a vários quilômetros quadrados.  Atualmente existem vários grupos que organizam expedições de caça a meteoritos pelos desertos e áreas de espalhamento de meteoritos, com muitas amostras recuperadas, dessa maneira aumentando o número de finds.

Quanto à proporção de meteoritos rochosos, metálicos e mistos entre os find e fall, ainda segundo Smith (2011), pela facilidade de reconhecimento quando se misturam com as rochas terrestres, os metálicos predominam entre os finds, enquanto os rochosos dominam o grupo de falls. Meteoritos mistos continuam sendo os mais raros nos dois grupos. A Dra. Katherine Joy (2019) conduz um projeto interdisciplinar que, entre outras pesquisas, procura explicar a discrepância que existe entre as estatísticas de 5% de meteoritos metálicos encontrados no mundo todo e 0,5% de metálicos encontrados na Antártida. O Lost Meteorites of Antarctica Project propõe que a diferença se deve ao fato de meteoritos metálicos afundarem no solo gelado em algumas horas, sendo então provável que os meteoritos faltantes estejam em uma camada enterrada no gelo.

7. Meteoritos diferenciados e não diferenciados

Outra forma bastante utilizada de classificação divide os meteoritos em dois grupos: diferenciados e não diferenciados (Figura 4). Um meteorito diferenciado é proveniente de um corpo rochoso que, sob calor intenso, sofreu fusão; os elementos mais pesados foram para o núcleo e os mais leves para o manto e a crosta. As altas temperaturas podem ter sido provocadas por colisões, decaimentos radioativos ou compressão gravitacional, tendo como consequência alterações químicas e mineralógicas; assim, esses meteoritos já não possuem a mesma composição química do Sol ou da nebulosa primordial, em outras palavras, eles se diferenciaram. No meteorito não diferenciado o corpo parental não foi exposto a temperaturas altas o suficiente para que ocorresse a fusão das rochas, preservando a sua composição química, sendo o condrito carbonáceo um exemplo de meteorito não diferenciado que tem a abundância química semelhante à da fotosfera solar (excetuando os elementos voláteis), notando-se a presença dos mesmos elementos químicos nos dois ambientes (Figura 5).

Figura 4. Esquema de meteoritos diferenciados e não diferenciados. Fonte: Adaptado e traduzido de JONES (2003, p. 561).

Figura 5. Gráfico de abundâncias químicas do Sol e dos condritos carbonáceos. Fonte: SMITH; RUSSEL; BENEDIX (2011, p. 48).

Considerando que a fotosfera solar é representativa da composição química da condensação da nebulosa protossolar e tendo os condritos carbonáceos idades estimadas entre 4,55 e 4,6 bilhões de anos – a idade aproximada do Sistema Solar –, conclui-se que são amostras bastante antigas, dos primórdios do Sistema Solar.

Dentre os meteoritos rochosos não diferenciados, os condritos, que respondem por cerca de 86% dos rochosos, devem sua denominação aos côndrulos, que são pequenas estruturas esferoidais de origem ígnea, com tamanhos variados, da ordem de milímetros a centímetros.

O Allende é outro condrito carbonáceo bastante estudado, com queda registrada em 1969, no México. Em 2012, pesquisadores do California Institute of Technology (Caltech) descobriram novos minerais extraterrestres no Allende: panguite, kangite, nuwaite, hutcheonite e adrianite. Atualmente são conhecidos cerca de 4.900 minerais, sendo que aproximadamente 430 foram identificados também nos meteoritos. No entanto, cerca de 40 minerais são exclusivos de meteoritos, ou seja, não foram identificados ainda em rochas terrestres. Outro aspecto importante encontrado no Allende (Figura 6) são as pequenas estruturas conhecidas como CAIs (calcium and aluminium rich inclusions: inclusões ricas em cálcio e alumínio).

Figura 6. CAIs em branco no condrito Allende, México. Imagem: PERA, L.N.S., 2014. Acervo do National Museum of Natural History, Washington, D.C., EUA.

Os CAIs são minerais altamente refratários, sendo os primeiros elementos a se condensarem a partir do gás que resfria na composição da nebulosa primitiva. São considerados minerais “fósseis” que preservam a “memória” dos processos de condensação e evaporação em altas temperaturas, assim como do processo de fusão (melting). Trazem, portanto, informações dos primeiros instantes da formação do Sistema Solar.

8. Meteoritos metálicos

Os sideritos ou metálicos podem ser classificados a partir de dois critérios: químico e estrutural. A classificação química utiliza a escala microscópica, detectando com precisão as quantidades de elementos que predominam, como o níquel, assim como de elementos traços, como o gálio, o germânio e o irídio, que se encontram em partes por milhão (ppm). A classificação estrutural pode ser feita macroscopicamente, quando se considera o teor de níquel, dividindo os metálicos em 3 grupos:

  • Hexaedritos, entre 4,5% e 6,5% de níquel;
  • Octaedritos, entre 6,5% e 15% de níquel;
  • Ataxitos, acima de 16% de níquel.

Forma-se uma estrutura peculiar nos octaedritos quando se ataca a superfície metálica polida com uma solução de 2% a 10% de ácido nítrico em álcool conhecida como Nital, acrônimo de nitric acid and alcohol. Surge um padrão de intercrescimentos de lamelas de kamacita, uma liga de ferro e níquel, conhecido como figuras ou estrutura de Widmanstätten (Figuras 7 e 8). Joias são feitas com octaedritos, pela beleza e raridade, já que esse padrão não se encontra em rochas terrestres e não é reproduzível em laboratório. A estrutura de Widmanstätten se forma apenas quando o resfriamento da liga de ferro-níquel ocorre muito lentamente, algo como alguns poucos graus a cada milhão de anos.

Figura 7. Estrutura de Widmanstätten no octaedrito Sacramento, EUA. Imagem: PERA, L.N.S., 2014. Acervo do Redpath Museum, Montreal, Canadá.
Figura 8. Estrutura de Widmanstätten no octaedrito Muonionalusta, Suécia.
Imagem: FONTANA, M.A.K. Acervo de FONTANA, M.A.K.

Hexaedritos, quando atacados por Nital, também formam um padrão, conhecido como linhas ou bandas de Neumann – linhas paralelas e macladas (que cresceram como um agrupamento cristalino) na superfície metálica (Figura 9). Ataxitos não apresentam estrutura visível quando atacados por Nital, sendo os sideritos mais raros.

Figura 9. Linhas de Neumann no hexaedrito Calico Rock. Fonte: NORTON (2002, p. 191).
Figura 10. Ataxito Hoba West, Namíbia. Disponível em:
<http://www.encyclopedia-of-meteorites.com/test/hoba2.jpg>. Acesso em: 22/02/2019.

O maior meteorito conhecido em um único fragmento é um ataxito, o Hoba West, com 60 toneladas (Figura 10). Caiu na Namíbia há cerca de 80 mil anos e curiosamente não foi encontrada a cratera de impacto meteorítico associada à sua queda, que provavelmente já foi erodida. A rocha nunca foi movida do local de sua queda e depois de ter o seu entorno escavado, liberando-a totalmente, construiu-se uma espécie de arena ao seu redor, o que possibilita a visitação no próprio local da queda, transformado num museu a ceu aberto.

O mesmo destino não teve o mais famoso e maior meteorito brasileiro preservado, o Bendegó, com 5,36 toneladas. Siderito do tipo octaedrito, foi achado no sertão da Bahia, em 1784, chegando ao Museu Nacional, sua casa atual, apenas em 1888 (Figuras 11, 12 e 13). Foi inicialmente transportado em juntas de bois, que não suportaram seu peso, e tombou no leito seco do riacho Bendegó, onde esperou por 103 anos. Por iniciativa de Dom Pedro II, continuou sua jornada em carreta sobre trilhos (Figura 14) e barco a vapor, numa verdadeira força-tarefa que envolveu militares e uma comissão de engenheiros. Chegou ao Rio de Janeiro 104 anos após ser encontrado.

Figuras 11, 12 e 13. Octaedrito Bendegó, Bahia. Imagens: PERA, L.N.S., 2014.
Figura 14. Carreta que transportou o Bendegó. Disponível em: <http://site.mast.br/
pdf_volume_1/breve_historico_meteoritos_brasileiros.pdf>. Acesso em: 22/02/2012.

Existe o registro de um outro meteorito brasileiro, o Santa Catharina, um siderito do tipo ataxito. Em 1875, foi encontrado na Ilha de São Francisco do Sul e teve mais de 25 toneladas de massa recuperada. Infelizmente seu descobridor, Manoel Gonçalves Rosa, pensou ter encontrado uma mina de ferro e obteve a concessão para sua exploração. Todo o material foi enviado para a Inglaterra, onde foi feita a extração do níquel, sendo o ferro restante utilizado para a confecção de trilhos de trem. Uma pequena amostra havia sido enviada para análise no Rio de Janeiro, mas quando foi identificada como sendo de um meteorito, a suposta mina já estava esgotada.

9. Meteoritos mistos

Os siderólitos ou meteoritos mistos (ferro-rochosos) são raros. O subtipo dos palasitos tem proporções semelhantes de metal (ferro e níquel) e cristais de olivina, que podem se apresentar isoladas ou como grupos de cristais incrustados na matriz metálica. As olivinas são minerais abundantes também no manto terrestre. Em joalheria, a olivina lapidada é transformada em gema, recebendo o nome de peridoto. Os palasitos são belos exemplares muito valorizados em museus pelo mundo e em coleções particulares (Figuras 15 e 16).

Figura 15. Palasito Esquel, Argentina. Imagem: PERA, L.N.S., 2014. Acervo do Royal Ontario Museum, Toronto, Canadá.
Figura 16. Palasito Brahin, Rússia. Imagem: BREYNE, M. de, 2013.
Acervo de PERA, L.N.S.

10.Histórias que os grãos pré-solares contidos nos meteoritos contam

Outra contribuição importante se mistura na matriz dos meteoritos condritos carbonáceos, exclusivamente nos mais primitivos, que não sofreram alteração térmica: são os grãos de origem pré-solar, porções diminutas de minerais provenientes de outras estrelas. Esse material interestelar foi formado em ambientes altamente energéticos, como explosões de novas e supernovas, estrelas do tipo Wolf-Rayet e estrelas AGB (ramo assimptótico de gigantes). Nessas condições extremas, ocorre a nucleossíntese de elementos com uma composição isotópica exótica, que se condensaram antes da formação do Sistema Solar. Esses grãos contêm os registros dos primórdios da nebulosa protosolar, inclusive do ambiente estelar anterior, por intermédio do material cedido por estrelas que explodiram, enriquecendo a nuvem molecular local. Dessa forma, os grãos pré-solares contam, a partir de rastros dos ambientes originais, a história dos primeiros momentos da massa de gases e poeira que colapsou na nebulosa mãe do Sistema Solar. Os elementos que já foram identificados nos condritos carbonáceos são: grafite, carbeto de silício, alumínio, óxidos de magnésio, nitreto de silício e diamantes, que são os grãos pré-solares mais abundantes, encontrados em concentrações maiores que centenas de partes por milhão (ppm). São nanodiamantes com dimensões da ordem de angstroms, o equivalente a poucos milhares de átomos.

 11. Conclusão

Existem atualmente cerca de 60.533 meteoritos válidos, registrados no Meteoritical Bulletin Database. Cada rocha espacial tem sua história, algumas são mais conhecidas e relevantes, enquanto muitas outras ainda aguardam para serem descobertas. Esta pequena seleção de narrativas é uma parte ínfima, dentro da história do Sistema Solar, do seu nascimento e evolução. Os meteoritos têm um papel importante como capítulos de uma grande enciclopédia, onde amostras de novos materiais naturais, ou seja, que não foram sintetizados em laboratórios, são descritos, investigados e devidamente registrados para que a ciência possa reconstituir uma história maior, a de todos os corpos do Sistema Solar, incluindo os seres humanos, segundo o antigo adágio astronômico: “Somos filhos das estrelas e irmãos das pedras”.

Referências

CEAMIG – Centro de Estudos Astronômicos de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.ceamig.org.br/>. Acesso em: 05/03/2019.

JONES, R. H. Meteorites. In: Encyclopedia of Physical Science and Technology (3rd ed.), pp. 559-574, 2003.

JOY, K. H. et al. The Lost Meteorites of Antarctica Project:  A New UK-Led Antarctic Meteorite. 50th Lunar and Planetary Science Conference, Texas, USA, 2019.  Disponível em: <https://www.hou.usra.edu/meetings/lpsc2019/pdf/1018.pdf>. Acesso em: 07/03/2019.

Meteoritical Bulletin Database. Disponível em: <https://www.lpi.usra.edu/meteor/>. Acesso em: 24/02/2019.

Mineralogy database. Disponível em: <http://www.webmineral.com/>. Acesso em: 24/02/2019.

NORTON, O.R. The Cambridge Encyclopedia of Meteorites. New York, NY: Cambridge University Press, 2002.

SAINT-EXUPÉRY, A. Terra dos homens. 32ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015. E-book de arquivo Kindle. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/Terra-dos-Homens-Antoine-Saint-Exup%C3%A9ry/dp/8520940293>.

SCORZELLI, R.B.; VARELA, M.E.; ZUCOLOTTO, E. Meteoritos: Cofres da Nebulosa Solar. São Paulo, SP: Livraria da Física Editora, 2010.

SMITH, Caroline; RUSSELL, Sara; BENEDIX, Gretchen. Meteorites. Canada: Firefly Books, 2011.

Bibliografia complementar consultada

PERA, L.N.S. Meteoritos – Fragmentos de um grande quebra-cabeça cósmico. Trabalho de conclusão de curso (especialização lato sensu em Astronomia). Universidade Cruzeiro do Sul. São Paulo: 2014.

The Meteoritical Society. Disponível em: <https://meteoritical.org/>. Acesso em: 22/02/2019.

VARELLA, P.G. Meteoróides, meteoros e meteoritos. São Paulo: 1985.

ZUCOLOTTO, M.E. Breve histórico dos meteoritos brasileiros. Disponível em: <http://site.mast.br/pdf_volume_1/breve_historico_meteoritos_brasileiros.pdf>. Acesso em: 20/02/2019

ZUCOLOTTO, M.E.; FONSECA, A.C.; ANTONELLO, L.L. Decifrando os meteoritos. Série Livros 52. Rio de Janeiro, RJ: Museu Nacional, 2013.

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