A ESTRELA

Alfa Crucis: a estrela

A décima terceira estrela mais brilhante do firmamento é também a mais austral entre todas as estrelas de primeira magnitude. Alfa Crucis, a estrela mais luminosa da nossa familiar constelação do Cruzeiro do Sul (que está representada nas bandeiras nacionais de cinco países do Hemisfério Sul, o Brasil inclusive) simplesmente não é visível de qualquer local que esteja ao norte do Trópico de Câncer.

Isso explica por que esta magnífica estrela não possui um nome grego ou mesmo árabe como tantas que foram designadas pelos antigos: ela estava praticamente inacessível a eles. Mesmo Acrux, nome pelo qual Alfa Crucis é às vezes chamada, não passa de uma invenção de um astrônomo do século XIX (o norte-americano Elijah Burritt): uma contração da letra “A” com “Crux”, o nome latino da constelação. Ela ainda é designada popularmente como “Estrela de Magalhães” em países de língua portuguesa, em homenagem ao navegador português Fernão de Magalhães – que, no entanto, não foi o primeiro europeu a registrar ou mesmo descrever o aspecto do Cruzeiro.

Mapa do céu do Hemisfério Sul feito pelo Mestre João Faras

Os historiadores geralmente atribuem essa primazia a João Faras (mais conhecido como Mestre João), um espanhol que acompanhou Cabral na expedição que resultaria no descobrimento do Brasil em 1500.

Seja qual for o nome pelo qual é conhecida, Alfa Crucis é uma estrela extraordinária. Para começar, ela não é uma estrela isolada; é, pelo menos, um sistema triplo. As duas componentes principais (α1 e α2) podem ser visualizadas facilmente com um pequeno telescópio, separadas por 4 segundos de arco. São duas gigantescas estrelas azuis, quentes e jovens, ambas de classe espectral B0-B1. Suas temperaturas são da ordem de 28 000 K e 26 000 K e suas luminosidades equivalem a 25 000 e 16 000 vezes a luminosidade solar, respectivamente. O par está situado a 320 anos-luz de distância, o que significa que a sua separação real é de cerca de 430 Unidades Astronômicas (65 bilhões de km) e seu período orbital, de no mínimo 1 500 anos. A estrela α1 é em si mesma um sistema duplo, mas suas componentes estão tão próximas que só podem ser identificadas por espectroscopia: elas estão separadas por uma Unidade Astronômica apenas (a distância entre e Terra e o Sol), e orbitam uma em torno da outra a cada 76 dias. Ambas são estrelas azuis e com massas estimadas como 14 e 10 massas solares, o que torna inevitável seu destino: a estrela de maior massa, evoluindo mais rapidamente, explodirá primeiro como supernova, provavelmente destruindo a companheira na explosão. Por outro lado, a estrela α2, distante desse par, possivelmente sobreviverá; porém, com uma massa estimada de 13 massas solares, será apenas uma questão de tempo até que também ela exploda como supernova. Daqui a quanto tempo? Existem pesquisas que indicam para o sistema de Alfa Crucis uma idade de 10,8 milhões de anos. Se isto estiver correto (e considerando as massas estimadas das estrelas), este belo sistema triplo ainda deverá ter alguns milhões de anos de vida.

Mas Alfa Crucis pode ser mais que um sistema triplo: existem evidências de que uma quarta estrela azul (HD 108250), a 90 segundos de arco, esteja ligada gravitacionalmente ao trio. E esta mesma, por sinal, é uma binária espectroscópica. Com certeza ainda há muito a se descobrir sobre o sistema de Alfa Crucis. E, além de tantos motivos, há mais um que a fez ser escolhida para o nome de nosso grupo: na bandeira nacional, Alfa Crucis é a estrela que representa o Estado de São Paulo.

Texto por Tasso Napoleão 

Imagem por Fabio Palleze