Mario Schenberg: uma estrela da ciência brasileira
Ricardo de Mello Franco – Grupo Alfa Crucis
Orientadores: Prof. Tasso Napoleão, Prof. Francisco Conte e Profa. Lilian Pera
10/03/2019
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1. Introdução
“Quem vai fazer trabalho sobre Mario Schenberg?”, perguntou o Prof. Tasso Napoleão diante de toda a classe.
Aquele era o dia em que os alunos do Clube de Astronomia de São Paulo (CASP), que ocupa aos sábados o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), deveriam propor os temas do trabalho de conclusão do curso de Estrutura e Evolução Estelar, ministrado no segundo semestre de 2016.
Na lousa, cada aluno (ou dupla de alunos) escreveu o tema proposto para devida análise dos professores. Todos os trabalhos eram sobre fenômenos astronômicos: buracos negros, sistemas binários, blue stragglers, nuvens interestelares, anãs marrons, estrelas de nêutrons, nebulosas planetárias, dentre outros. A única exceção era o meu tema, que destoava dessa linha geral, por se tratar de uma biografia do astrofísico brasileiro Mario Schenberg.
Levantei a mão timidamente, já esperando uma reprimenda… “Sou eu, Prof. Tasso…”
“Excelente ideia fazer um seminário sobre o Mario Schenberg. É um tema muito original e tem tudo a ver com evolução estelar”, disse ele.
Fiquei surpreso, aliviado e motivado. A apresentação realizada em dezembro de 2016 veio a ser um sucesso, elogiada por colegas e mestres (acesse o arquivo original do seminário aqui). O tema foi adaptado e transformado no presente artigo, escrito especialmente para publicação no site do grupo de observações e estudos Alfa Crucis, a convite do próprio coordenador, o renomado Prof. Tasso Napoleão, astrônomo de vasto conhecimento e generosidade. Agradeço a oportunidade e vamos adiante com esta biografia condensada de um dos maiores astrofísicos brasileiros.
2. Motivação
Por que a escolha deste tema para um trabalho da disciplina de Estrutura e Evolução Estelar?
Durante uma das aulas do curso, fiquei intrigado com a citação deste brasileiro como coautor de um princípio fundamental da evolução das estrelas da sequência principal do diagrama Hertzsprung-Russell (HR), que diz que aproximadamente 10% da massa de uma estrela está disponível para gerar energia no seu núcleo. Trata-se de uma descoberta fenomenal, que permite calcular a expectativa de vida de estrelas como o nosso Sol, por exemplo. O artigo científico que descreve o limite de Schenberg-Chandrasekhar foi publicado em 1942 e é um clássico aceito até os dias de hoje. Falaremos sobre ele mais adiante, assim como abordaremos o Processo Urca, outra obra importante no campo da evolução estelar.
O fato é que nunca um brasileiro havia sido mencionado anteriormente nos materiais do CASP, e isso imediatamente chamou minha atenção. Adicionalmente, como essas duas obras tratam de temas alinhados ao conteúdo do curso de Estrutura e Evolução Estelar, deduzi que poderia ser interessante pesquisar a biografia deste pioneiro da astrofísica teórica no Brasil.
À medida que dei início a levantamentos preliminares sobre Mario Schenberg, fiquei encantado com a biografia fascinante deste personagem multifacetado. Notei a existência de farto material para pesquisa e percebi que haveria possibilidade de obter testemunhos de familiares e colegas. Além disso, o tributo a este cientista seria uma homenagem à Universidade de São Paulo, onde ele atuou na concepção de novas áreas, na pesquisa e no ensino. Uma instituição de ponta que deu origem ao IAG, ao CASP e ao Alfa Crucis.
Estava decidido a propor este tema para meu trabalho, na esperança de obter aprovação junto aos Profs. Francisco Conte e Lilian Pera. Como já vimos, o Prof. Tasso Napoleão, astrônomo veterano e líder dos colegas no CASP, antecipou-se ao apoiar entusiasticamente a minha escolha, e contou com a concordância dos demais.
A criação do título deste trabalho original – e agora deste artigo – aproveita para envolver sutilmente e com bom humor o nome do curso de Estrutura e Evolução Estelar: “Mario Schenberg, uma estrela da ciência brasileira”.
3. Biografia
Mario Schenberg nasceu em 1914 no Recife. De origem judaica, também assinava como Mario Schönberg. Transferiu-se para São Paulo em 1933, para estudar na Escola Politécnica da USP (Poli). Formou-se em engenharia elétrica na Poli em 1935 e em matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), ambas da USP, em 1936.
Casou-se duas vezes: com Julieta Bárbara Guerrini e Lourdes Cedran. Com Julieta teve uma filha, a renomada bióloga Ana Clara Guerrini Schenberg, que gentilmente me concedeu uma entrevista para que eu aprofundasse esta pesquisa.
Podemos destacar três campos onde Mario Schenberg atuou com paixão e destaque durante a sua vida: na ciência, na política e na cultura.
No campo da ciência, objeto de interesse principal deste estudo, Mario Schenberg foi um profissional de importância e reconhecimento internacional. Atuou na USP de 1933 a 1969 como estudante, pesquisador, professor catedrático e diretor do Departamento de Física de 1953 a 1961, com pausas para temporadas no exterior. Foi convidado a trabalhar na Europa por duas vezes, em 1938 e 1948. Viveu nos Estados Unidos de 1940 a 1944, período em que publicou suas principais obras: o Processo Urca em abril de 1941 e o Limite de Schenberg-Chandrasekhar em setembro de 1942, em parceria com grandes nomes que veremos a seguir. Deixou os Estados Unidos por temer ser convocado para trabalhar no projeto de bomba atômica, ao qual era contrário. Atuou na Sociedade Brasileira de Física, que presidiu de 1979 a 1981. Publicou trabalhos relevantes em astrofísica, mecânica quântica, mecânica estatística, relatividade geral, termodinâmica e matemática. Lamentavelmente, depois de 1960, desinteressou-se pela astrofísica e nunca mais dedicou-se a essa matéria específica.
No campo da política, sempre foi militante de esquerda. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e por duas vezes foi eleito e impedido de exercer seus cargos, em 1947 e em 1962. Participou da campanha nacionalista “O Petróleo é Nosso”. Ajudou a criar a Fapesp. Foi preso pela ditadura militar em 1964 e ficou retido no DOPS por dois meses. Em decorrência do Ato Institucional no 5, o famigerado AI-5 que recrudesceu a ditadura militar e suprimiu liberdades civis, foi aposentado compulsoriamente e proibido de lecionar. Só retornou em 1979. Recentemente foi citado no livro autobiográfico de Jô Soares, que o escondeu em sua residência por alguns meses após o golpe militar de 1964, período no qual conviveram intensamente e travaram divertidas conversas regadas a charutos baianos.
No campo da cultura, Mario Schenberg era um amante da pintura e das artes plásticas. Colecionador e marchand, tornou-se crítico de arte após ser impedido de trabalhar pelo AI-5. Conviveu com importantes artistas brasileiros e estrangeiros do seu tempo. Em sua homenagem, nessa área, existe o Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
É interessante e admirável notar a versatilidade deste incrível personagem, que transitava entre cientistas renomados, políticos radicais e artistas extravagantes.
Mario Schenberg faleceu em 1990 em São Paulo, aos 76 anos de idade.
4. Colegas
Na trajetória científica de Mario Schenberg podem-se observar influências, colaborações e trabalhos conjuntos com um impressionante panteão de célebres cientistas.
Seus primeiros trabalhos científicos foram feitos ainda na graduação, em 1934, como aluno de engenharia. Dois nomes foram de grande influência em sua obra: os dos professores italianos formadores do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia da USP, Gleb WATAGHIN (de quem foi assistente) e Giuseppe OCCHIALINI. Já formado, fez trabalhos experimentais sobre raios cósmicos com Occhialini, inclusive no navio que levava ambos a Roma em 1938.
Em Roma, trabalhou com Enrico FERMI (Prêmio Nobel de Física em 1938), até este abandonar a Itália, com ênfase em eletrodinâmica quântica e origem dos raios cósmicos. Em seguida esteve em Zurique, onde foi influenciado por Wolfgang PAULI (Prêmio Nobel de Física em 1945), inclusive em seu interesse pelas filosofias orientais. Passou ainda por Paris, onde conheceu Frédéric JOLIOT-CURIE (Prêmio Nobel de Química em 1935). Em abril de 1939, pouco antes do início da guerra, deixou a Europa para retornar ao Brasil.
No Brasil começou a se interessar por astrofísica, e logo viajou aos Estados Unidos, tendo sido agraciado com uma bolsa da Fundação Guggenheim. Trabalhou com George GAMOW em Washington, e em 1941 publicaram o famoso trabalho sobre o Processo Urca, a respeito do qual falaremos adiante. Em seguida passou quatro meses no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, onde reencontrou Pauli e conheceu Albert EINSTEIN (Prêmio Nobel de Física em 1921), dentre outros físicos renomados.
Em seguida, trabalhou com Subrahmanyan CHANDRASEKHAR (Prêmio Nobel de Física em 1983) no Observatório de Yerkes, parceria que resultou na publicação do Limite de Schenberg-Chandrasekhar em 1942, sobre o qual entraremos em detalhes mais à frente. Retornou ao Brasil para fazer concurso de cátedra na USP em 1944.
Nessa época Schenberg trabalhou em cálculos de fundamentos do eletromagnetismo. Colaboraram com ele Walter SCHÜTZER, José LEITE LOPES e César LATTES. Schenberg afirmava que o Prêmio Nobel de Física pela descoberta do méson pi deveria ter sido dado ao Prof. Lattes, e não ao Prof. Cecil Frank Powell, em 1950.
Em 1948 retornou à Europa e permaneceu no Centro de Pesquisas Nucleares da Universidade de Bruxelas até 1953. Nesse período, discutiu vários trabalhos sobre mecânica quântica com Ilya PRIGOGINE (Prêmio Nobel de Química em 1977) e outros.
Nessa época viajou muito pela Europa, ampliando seus conhecimentos sobre arte de todas as origens em obras expostas em museus europeus. Conviveu com artistas brasileiros em Paris: Candido PORTINARI, Mário GRUBER, Carlos SCLIAR, Antonio BANDEIRA, tendo conhecido pessoalmente PICASSO e CHAGALL.
Para finalizar este rico capítulo dos importantes colegas com os quais Schenberg conviveu e colaborou, vamos recordar o Prof. Abrahão de MORAES, que foi seu assistente na cadeira de Física Teórica, fundou a Associação de Amadores de Astronomia e deu grande impulso para a criação e desenvolvimento do Instituto de Astronomia da USP.
5. Processo URCA
O primeiro artigo científico de grande impacto mundial de autoria de Mario Schenberg foi sobre o Processo Urca, publicado em 1º de abril de 1941 na revista Physical Review, em parceria com George Gamow.
Gamow (1904-1968) foi um renomado físico teórico e cosmologista russo-americano, forte defensor da teoria do Big Bang. Deu importante contribuição na área da biologia, na descoberta do DNA. Colaborou na Universidade de Washington. Também foi autor de livros infantis sobre ciência.
No parágrafo a seguir, apresento uma tradução livre do Abstract do artigo “Neutrino Theory of Stellar Collapse”:
Teoria dos neutrinos do colapso estelar
Nas altas temperaturas e densidades que devem existir no interior de estrelas em contração durante os estágios finais de sua evolução, deve-se esperar um tipo especial de reações nucleares acompanhadas por uma emissão de um grande número de neutrinos. Esses neutrinos penetram quase sem dificuldade o corpo de uma estrela, e devem levar embora grandes montantes de energia e prevenir a temperatura central de aumentar além de um certo limite. Isso deve causar uma rápida contração do corpo estelar, provocando um colapso catastrófico. Mostra que a perda de energia através dos neutrinos produzidos em reações entre elétrons livres e núcleos de oxigênio pode causar um colapso completo da estrela dentro do período de tempo de meia hora. Apesar das principais perdas de energia em tais colapsos se deverem à emissão de neutrinos que escapam à observação direta, o aquecimento do corpo de uma estrela em colapso deve necessariamente conduzir a uma rápida expansão da camada externa e um tremendo aumento de luminosidade. Sugere-se que um colapso estelar desse tipo é responsável pelos fenômenos de nova e supernova, sendo que a diferença entre as duas deve-se provavelmente à diferença de suas massas.
Schenberg apontou a Gamow a importância da emissão de neutrinos, que explica a explosão das supernovas. Trata-se de um ciclo de reações no núcleo da estrela em seu estágio final de evolução, com forte perda de energia.
Eis a sequência de eventos: contração gravitacional causa a fotodesintegração do núcleo de ferro. Reações em cadeia geram nêutrons e uma quantidade torrencial de neutrinos, que escapam da estrela. Ocorre o colapso do núcleo. Camadas superiores sem sustentação desabam e geram onda de choque fortíssima, que volta para a superfície. Torrentes de neutrinos escapam do núcleo, arrastam material e respondem por 99% da energia liberada. Esse é o Processo Urca, gerando a explosão de uma supernova (tipo II).
O nome Urca foi escolhido por Schenberg, e especulava-se que poderia significar “ultra rapid catastrophy”. Nada disso, o nome vem do antigo Cassino da Praia da Urca, no Rio de Janeiro, que funcionou de 1933 a 1946. Segundo ele, “a energia desaparece no núcleo da supernova tão rápido como o dinheiro some de uma mesa de roleta”.
O Processo Urca foi confirmado pela Supernova 1987A, cuja observação coincidiu com a detecção de 12 neutrinos no Japão (pelo observatório Kamiokande II) e 8 neutrinos em Ohio (pelo observatório IMB). Nessa ocasião, foi possível detectar que os neutrinos têm uma pequena massa, diferente de zero. A Supernova de Shelton (1987A) ocorreu na Nebulosa da Tarântula, na Grande Nuvem de Magalhães, a partir do colapso da estrela conhecida como Sanduleak -69º 202, uma supergigante azul.
6. Limite de Schenberg-Chandrasekhar
A principal obra científica de Mario Schenberg foi publicada na edição de setembro de 1942 do The Astrophysical Journal, em parceria com Subrahmanyan Chandrasekhar, um dos mais renomados astrofísicos do século XX.
Chandrasekhar (1910-1995) nasceu na Índia (numa região que atualmente pertence ao Paquistão) e posteriormente naturalizou-se americano. Protagonizou o histórico embate com Sir Arthur Eddington em 1935, quando defendeu novas teorias contra o status quo. Na ocasião tratava-se do Limite de Chandrasekhar, que é o limite máximo de 1,44 massas solares para uma anã branca, após o qual haveria implosão, encolhimento e surgimento de uma estrela de nêutrons ou uma supernova, ou eventualmente um buraco negro. Trabalhou na Universidade de Chicago, que opera o Observatório Yerkes. Ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1983, por estudos de evolução estelar. Em sua homenagem, a Nasa batizou o telescópio de raios X lançado em 1999 de “Chandra”.
No parágrafo a seguir, faço uma tradução livre do Abstract do artigo “On The Evolution of the Main-Sequence Stars”:
Sobre a evolução das estrelas da sequência principal
Examina a evolução das estrelas na sequência principal decorrente da queima gradual de hidrogênio nas regiões centrais. Mostra que, como resultado da diminuição do conteúdo de hidrogênio nessas regiões, o núcleo convectivo (normalmente presente numa estrela) dá lugar a um núcleo isotérmico. Mostra ainda que existe um limite superior (aprox. 10%) para a fração da massa total de hidrogênio que pode então ser exaurida. Também são feitas algumas observações do que é esperado além desse ponto.
O trabalho de 1942 examina a evolução das estrelas na sequência principal e o limite da exaustão do hidrogênio na região central por reações termonucleares. O cálculo apresentado define que cerca de 10% da massa de uma estrela estão disponíveis para gerar energia na região do núcleo. Esse é o limite para sustentação de uma estrutura em equilíbrio, e é atingido quando a fusão numa estrela na sequência principal exaure o hidrogênio do seu centro. Passou a ser chamado de Limite de Schenberg-Chandrasekhar. O núcleo repleto de hélio inerte torna-se isotérmico e o hidrogênio passa a ser queimado no envelope ao redor.
O tempo de vida de uma estrela na sequência principal tem sempre um ponto final, que é justamente o limite de Schenberg-Chandrasekhar: o instante em que todo o hidrogênio existente no núcleo se esgota (o que, como vimos, corresponde a cerca de 10% da massa original da estrela na ZAMS[1]). Depois disso, haverá mudanças estruturais na estrela e uma nova fase de sua vida se iniciará. No caso de uma estrela como o Sol, o novo estágio da evolução estelar é a gigante vermelha.
A elaboração do artigo contém cálculos e gráficos complexos, de difícil compreensão, fruto de trabalho insano, realizado em pequenas máquinas de calcular. Ainda assim, trata-se de um clássico de 1942 confirmado e consagrado, e nunca contestado. Causou o abandono da suposição de que as estrelas apresentavam composição uniforme. O texto original fala em aproximadamente 10% e não na faixa de 10% a 15% como é aceito hoje. Alguns textos chamam o núcleo de “caroço” da estrela. O Limite de Schenberg-Chandrasekhar funciona bem para estrelas de até 6 massas solares. Uma exceção óbvia são os sistemas múltiplos.
Uma aplicação prática importante: o Limite de Schenberg-Chandrasekhar permite calcular o tempo de vida de uma estrela na sequência principal, combinando a hipótese de Helmholtz e a equação da relatividade de Einstein. O cálculo para o nosso Sol resulta num tempo de vida de 10 bilhões de anos aproximadamente.
7. Depoimentos
A escolha do tema permitiu o acesso a familiares e personalidades que conviveram com Mario Schenberg, que gentilmente concordaram em contribuir com lembranças, sentimentos e depoimentos que julgo de interesse.
A seguir, alguns trechos.
A filha única de Mario Schenberg chama-se Ana Clara Guerrini Schenberg. Trata-se de uma celebridade científica: é professora doutora da Faculdade de Ciências Biológicas da USP, especializada em genética molecular e com extenso currículo Lattes. Ela generosamente me recebeu em sua residência para uma entrevista, onde foi possível captar lembranças sobre as várias facetas de Mario Schenberg: cientista, apreciador das artes, político e pai.
Sobre o cientista:
“Ele tinha muita energia, se entregava nas coisas que gostava. Onde ia, agitava.”
“Dizem que ele merecia o Prêmio Nobel por esse trabalho com Chandrasekhar.”
“Realmente ele produziu menos ao retornar ao Brasil. É que tudo é mais fácil lá fora, principalmente financiamento para pesquisa.”
Sobre o apreciador das artes:
“Quando viajávamos para uma cidade nova, a primeira coisa que ele gostava de visitar era o museu da cidade.”
“Virou crítico de arte depois que foi impedido de trabalhar pelo AI-5.”
“Acho que ele precisava desse lado artístico para respirar mais solto, fugir da seriedade da ciência.”
Sobre o político:
“Foi militante de esquerda desde sempre.”
“Foi preso duas vezes. Na primeira vez eu ia visitá-lo, mas no regime militar foi barra pesada, me escondiam.”
“Considero que ele foi bem reconhecido no Brasil, até foi condecorado postumamente.”
“Mas na política ele foi muito tolhido.”
Sobre o pai:
“Quando eu estava na escola e precisava de ajuda dele para estudar física, ele me dizia: ‘Mas é tão óbvio!…’ ”
“Falava: biologia é muito mais complexo que física.”
“Era bem-humorado, bonachão, gostava de piadas.”
“Era zen com coisas graves e às vezes se incomodava com coisas pequenas.”
Finalmente, uma mensagem de Ana Clara Guerrini Schenberg aos alunos do CASP:
“Não tinha telescópio, nunca o vi olhando para o céu.”
“Já convidei o Prof. Augusto Damineli do IAG para fazer palestra sobre vida em outros planetas, uma mistura de astronomia com biologia.”
“Abriu caminhos, sempre se empenhou muito.”
“É um belo exemplo a ser seguido.”
Já o Prof. Dr. Sylvio Ferraz Mello, físico, professor emérito do IAG/USP, homenageado com o nome do asteroide 5201 Ferraz-Mello (1983 XF), tem uma visão carinhosa e ao mesmo tempo crítica de seu antigo mestre:
“Fui aluno do Schenberg. Era uma excelente pessoa, um grande praça, me ajudou na USP. Suas aulas eram de difícil compreensão. Lamento que sua produção tenha caído após retornar ao Brasil. Sua prioridade era a política, e a Ciência é uma mulher ciumenta. Ressalto a importância dos astrônomos amadores, desde a época da Associação dos Amadores de Astronomia de São Paulo.”
Não poderia deixar de citar a palavra do nosso mestre Prof. Tasso Napoleão, engenheiro, astrônomo, autor dos materiais do curso do CASP, líder e coordenador do grupo de estudos Alfa Crucis e apoiador de primeira hora deste trabalho sobre Mario Schenberg:
“Infelizmente não cheguei a ser aluno do Prof. Schenberg, pois quando entrei na USP ele já havia sido proibido de lecionar pelo regime militar. Mas tenho uma grande admiração pelo trabalho dele como cientista – e também como intelectual, crítico de arte e humanista. Achei excelente a ideia de fazer um seminário sobre ele. É um tema muito original e tem tudo a ver com evolução estelar.”
A orientadora de estudo e instrutora do CASP Profa. Lilian Pera também foi ouvida:
“Para quem estuda astrofísica, o nome de Schenberg brilha em dois trabalhos fundamentais: Limite de Schenberg-Chandrasekhar e Processo Urca (em parceria com Gamow). Foi físico e matemático, professor e político. E foi crítico de arte. Foi cientista e humanista; deu seguimento à linhagem dos filósofos da natureza. Quando penso que ele teve diferentes visões do mundo, concluo que o seu entendimento do Universo foi mais abrangente.”
Procurei também contatar o físico e escritor Marcelo Gleiser, de quem sou admirador. Recebi uma breve e preciosa resposta por e-mail e destaco a seguinte frase sobre Schenberg:
“Pessoa exemplar, grande cientista e humanista, combinação rara.”
Para fechar os depoimentos e ilustrar o lado artístico e político de Mario Schenberg, transcrevo um depoimento de autoria de Jorge Amado (1912-2001), um dos maiores escritores do Brasil:
“Na universidade, na mostra de pintura, no comício, no meio da rua e da multidão, na cadeia, no livro e no jornal, onde quer que se proteste contra a opressão, onde quer que se lute pela paz e pelo amor, ei-lo presente e militante. Não desanimou nem vacilou, assumiu o seu posto e continua. Um homem singular, um cidadão ilustre, um humanista que nos orgulha e honra. Um brasileiro chamado Mario Schenberg.”
8. Conclusão
Ao fim deste artigo que condensa a trajetória de Mario Schenberg, podemos concluir que de fato trata-se de um tema gratificante, que mescla ciência, política e cultura. Da figura interessante e multifacetada destaca-se a mente brilhante do físico, matemático, artista e pensador – e um verdadeiro humanista, que valoriza a condição humana acima de tudo.
Adicionalmente, o conteúdo mostrou total relação com a matéria de Estrutura e Evolução Estelar ministrada pelo Clube de Astronomia de São Paulo, levando-nos por uma incrível jornada por grandes nomes da astrofísica e por importantes conceitos da evolução estelar.
Mario Schenberg é exemplo e inspiração para estudantes e cientistas, porém permanece o questionamento: terá sido devidamente reconhecido no Brasil e no mundo?
Este artigo é meu pequeno e humilde tributo a esta estrela da ciência brasileira.
Agradecimentos
A possibilidade de realizar entrevistas enriqueceu sobremaneira minha visão sobre Mario Schenberg, e os entrevistados merecem um agradecimento especial: Profa. Dra. Ana Clara Guerrini Schenberg, Prof. Dr. Sylvio Ferraz Mello, Prof. Paulo Bedaque.
Agradeço imensamente à equipe de professores do CASP, que têm o mérito e a capacidade de entreter e encantar astrônomos amadores nas manhãs de sábados. Dentre eles, meu muito obrigado aos três mestres que participaram diretamente da orientação e apoio para a execução deste trabalho: Prof. Tasso Napoleão, Profa. Lilian Pera e Prof. Francisco Conte.
Obrigado aos queridos colegas, alunos e astrônomos amadores do CASP, pródigos nas trocas de mensagens durante as madrugadas sem nuvens, sempre presentes e bem-humorados nas observações conjuntas e companheiros de uma grande paixão chamada Astronomia. Relembro como foram extremamente generosos e amigos no apoio ao tema e no dia da apresentação, tendo em vista a dificuldade do autor em falar em público.
Finalmente, agradeço à minha amada família, que em noites estreladas sabe que estou lá fora junto ao telescópio, observando o Universo.
Referências bibliográficas
2 artigos científicos:
GAMOW, G.; SCHOENBERG, M. Neutrino Theory of Stellar Collapse, Phys. Rev. 59, 539, April 1941.
SCHÖNBERG, M.; CHANDRASEKHAR, S.: On the Evolution of the Main-Sequence Stars, Astrophysical Journal, vol. 96, 161, 1942.
11 livros:
FITTIPALDI, Ivon (coord.). Projeto caravana dos notáveis cientistas pernambucanos. 2012.
FRIAÇA, A.; PINO, E.D.; SODRÉ, L.; JATENCO, V. (orgs.). Astronomia, uma visão geral do universo. São Paulo: Edusp, 2001.
HAMBURGER, Amélia Império (coord.). Obra científica de Mário Schönberg, vol. I. São Paulo: Edusp, 2009.
KEPLER, Souza; SARAIVA, M. Fátima. Astronomia & Astrofísica. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2004.
MATSUURA, Oscar (org.). História da Astronomia no Brasil. Recife: Cepe, 2013.
NOVELLO, Mario. Os cientistas da minha formação. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016.
OLIVEIRA, Alecsandra Matias de. Schenberg: crítica e criação. São Paulo: Edusp, 2011.
SCHENBERG, Mario. Pensando a Física. Landy Editorial, 2001.
SOARES, J.; SUZUKI, M. O Livro de Jô – Volume 1: Uma autobiografia desautorizada. Rio de Janeiro: Cia. das Letras, 2017.
The Stars: The Definitive Visual Guide to the Cosmos. UK: DK Penguin Random House, 2016.
VENKATARAMAN, G. Chandrasekhar and His Limit. India: Universities Press, 1992.
2 apostilas do Casp:
NAPOLEÃO, Tasso A. A fonte de energia das estrelas. Capítulo 3 de Estrutura e Evolução Estelar.
NAPOLEÃO, Tasso A. Supernovas e novas. Capítulo 8 de Estrutura e Evolução Estelar.
1 dissertação de mestrado:
NAPOLEÃO, Tasso A. Astrofísica Estelar para o Ensino Médio: Uma abordagem empírica baseada na observação visual das estrelas variáveis. Dissertação apresentada ao Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo como requisito para obtenção do título de Mestre em Ensino. Área de concentração: Ensino de Astronomia. Linha de pesquisa: Astronomia na Educação Básica. Orientador: Professor Doutor Roberto Dell´Aglio Dias da Costa. São Paulo: 2018
5 entrevistas:
MARIO SCHENBERG, entrevistado por Carla Costa e Tjerk Franken em 09 e 10/06/1978, CPDOC/FGV.
SYLVIO FERRAZ MELLO, entrevistado por Ricardo Franco em 17/11/2016, São Paulo.
TASSO NAPOLEÃO, entrevistado por Ricardo Franco em 23 e 24/11/2016, São Paulo.
PAULO BEDAQUE, entrevistado por Ricardo Franco em 24/11/2016, Vinhedo.
ANA CLARA GUERRINI SCHENBERG, entrevistada por Ricardo Franco em 24/11/2016, São Paulo.
Páginas na internet (acessos em dezembro de 2016) :
http://astro.physics.uiowa.edu/~kgg/teaching/astrophysicsII/evolution.html
http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/Astro/startime.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Mário_Schenberg
https://en.wikipedia.org/wiki/Schönberg–Chandrasekhar_limit
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mário_Schenberg
https://www.eso.org/public/outreach/eduoff/vt-2004/mt-2003/mt-sun.html
Imagens e vídeos apresentados no seminário:
Acervo pessoal da família Schenberg, imagens gentilmente cedidas por Ana Clara Schenberg.
Créditos do Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes – ECA/USP.
ESO – Proxima b.
ESO – zoom 1987A.
Youtube – Mario Schenberg by Aguilar.
[1] ZAMS (“zero age main sequence”) designa o ponto preciso em que a estrela ingressa na sequência principal (em linguajar mais simples, o momento em que nasce ou “acende”).