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Um relato em primeira pessoa do encontro com Kip Thorne…

Sérgio José Gonçalves da Silva – Grupo Alfa Crucis

15/07/2019

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No dia 3 de julho de 2019, depois de uma viagem astronômica inesquecível que teve como ponto alto a observação do eclipse solar total do dia anterior, no voo entre La Serena e Santiago de Chile tomei assento na poltrona 2C. Durante o embarque, foram designados a um simpático casal de idade mais avançada os assentos contíguos, 2A e 2B. O homem ofereceu a janela à esposa e ele tomou o assento do meio, justo ao meu lado.

Minutos após a decolagem para o breve voo, de menos de uma hora, sem ainda ter percebido a tamanha sorte que tinha batido à minha porta, perguntei ao casal se tinham desfrutado do espetáculo que o sol e a lua nos haviam proporcionado naquela bela região do mundo no dia anterior. Simpaticamente e percebendo que não tinha sido reconhecido, o senhor diz que assistiram ao evento no Observatório de Cerro Tololo e que estavam celebrando o trigésimo quinto aniversário de casamento. O local estava vedado ao público e repleto de cientistas fazendo experimentos durante o eclipse. No momento ocorreu-me que eles fossem, naturalmente, cientistas.

Continuando a conversa e depois de oferecer os devidos parabéns pela celebração perguntei sobre suas vidas profissionais/acadêmicas… O cavalheiro disse que era cientista e foi só então que nos apresentamos… Ele disse ser Kip Thorne e inexplicavelmente (talvez devido às emoções vividas na viagem, aliadas ao cansaço), o nome não ressoou na minha memória, ficando eu sem saber que estava na presença de uns dos maiores heróis da ciência. A sua simpática esposa, Carolee Winstein, tinha estampado no rosto um sorriso constante e um olhar indulgente, antecipando a surpresa que estava prestes a me atingir. Com interesse inocente perguntei ao Kip qual era sua linha de trabalho… Físico? Astrônomo? A resposta dele foi singela e modesta: “Ambas, eu tento aproximar a física e a astronomia…” Já com a curiosidade aguçada perguntei se havia alguma chance de eu já conhecer o seu trabalho, e foi então que o sorriso da Carolee se abriu amplamente. O Kip, com certa timidez, explicou que “talvez…” e foi nesse momento que a esposa disse: “Posso te falar do trabalho dele, pois ele é tímido”. Intrigado e entretido entre sorrisos e ansiedade pedi-lhe que por favor o fizesse. Ela então disse: “O Kip trabalha com ondas gravitacionais, ele ganhou o Prêmio Nobel de Física por ter confirmado a sua existência, é fundador do LIGO e além disso foi coprodutor do filme Interstellar”.

Apesar de não ser uma pessoa de ficar star-struck (impressionado ao conhecer uma celebridade), uma breve paralisia cerebral invadiu-me… Para não explodir como uma criança quando vê um super-herói ao vivo na Disney, decidi lidar com a situação com um pouco de humor, de forma que respondi: “Bem, isso quer dizer que estou na presença de realeza!” Os três sorrimos e naturalmente expressei a honra que era conhecê-los. Para minha surpresa, eles mostraram interesse no que eu (um pobre plebeu nas lides científicas) tinha feito por ocasião do eclipse. Foi nesse momento que tive a oportunidade de comentar que faço parte de um fantástico grupo de astrônomos amadores que faz pesquisa – o Alfa Crucis. Eles ficaram satisfeitos em saber que no Brasil existem amadores fazendo este tipo de trabalho, pois os cientistas apreciam muito os dados e as contribuições feitas por amadores. O Kip em particular ficou interessado pelo nosso trabalho com exoplanetas e espectrografia e impressionado com o feito do nosso líder, Tasso Napoleão, como amador descobridor de 15 supernovas, entre outras contribuições notáveis.

Voltando a atenção para o Kip, decidi aproveitar a oportunidade para fazer algumas perguntas, cuidando para não ser inconveniente. A primeira pergunta que fiz a ele foi sobre o LIGO: “Qual é o próximo passo?” A resposta não desapontou: “Conseguimos recursos para o expandir, torná-lo mais sensível e detectar ondas gravitacionais cada vez mais sutis e de diferentes fontes”.

Em seguimento ao assunto, resolvi fazer-lhe uma pergunta que já tinha feito a cientistas em duas palestras (uma delas no planetário de Lisboa e a outra online nos EUA), à qual não tive uma resposta satisfatória: “Se as ondas gravitacionais expandem e contraem o espaço-tempo e esse tecido pode expandir-se mais rapidamente do que a velocidade da luz, como por exemplo na inflação cósmica durante o Big Bang, podem elas propagar-se a uma velocidade superior à da luz?” Mais uma vez, a resposta foi sucinta e rica em informação: “Considera que o gráviton (partícula que carrega a gravidade) tem massa zero e que todas as partículas de massa zero têm que se mover necessariamente à velocidade da luz, então essa será a velocidade de propagação das ondas gravitacionais”.

“Como o fóton e as ondas eletromagnéticas!”, retorqui com curiosidade. Ele acenou e disse: “Exatamente como o fóton”. A conversa continuou, como a de um pupilo aprendendo com um grão-mestre…  Aproveitei seu bom humor para tirar mais algumas gotas de informação do grande homem antes de deixá-lo descansar: “Mas o gráviton ainda não foi confirmado… Precisamos de uma experiência como a da dupla fenda para a gravidade?” A pergunta provocou um sorriso nele e disse: “Acredito que um dia vamos achá-lo”.

O voo estava a meio, a Carolee queixou-se de que não tinha como carregar seu telefone (a fonte de energia no avião estava fora de serviço) e ofereci-lhe minha bateria portátil, que carrego sempre em minhas viagens. A conversa voltou-se para ela, que ao longo de todo o tempo esteve sempre sorridente, fotografando os picos nevados dos Andes e chamando nossa atenção para tamanha beleza natural. Foi então que ela comentou que vai ter uma estudante brasileira de pós-doutoramento com ela na Califórnia. Sua área de trabalho é a pesquisa em neurociência e até elogiou a capacidade acadêmica brasileira apesar do pouquíssimo investimento que os governos historicamente aplicam em ciência. Não sendo brasileiro, mas morador do país há sete anos, somente pude concordar, pois no Brasil tenho conhecido pessoas de capacidade intelectual e humana do nível mais elevado.

E foi “amador” a palavra de ordem nesse ponto da tertúlia, pois eles ficaram felizes com as coisas que os “amadores” fazemos no Brasil, verdadeiramente “por amor”.

Para deixar o casal descansar no resto da viagem, fiz uma última pergunta ao Kip: “Vocês vivem da pesquisa, da ciência… Com tudo o que isso implica, vocês conseguem manter esse ‘amor’, esse fascínio pela natureza?” A resposta do Kip foi um rotundo “yes!” e com um grande sorriso no rosto acrescentou: “Sempre”. Foi então que ele me recomendou baixar o aplicativo oficial do LIGO, que envia eventos e detecções em tempo real. Fiz isso assim que entrei na internet e desde então tenho recebido diversas notificações, todas elas reverberantes desse feliz encontro.

Aproveitei esses momentos finais para lhes pedir uma selfie, que o Kip com muita simpatia assinou direto no meu telefone, tal como dois anos antes tinha acontecido com a Dra. Tracy Caldwell Dyson, que voou na estação espacial internacional (ISS) e que tive a fortuna de conhecer numa conferência em Las Vegas.

Dizem que não devemos conhecer os nossos heróis, pois vamos perceber que são humanos como nós… Eu digo que devemos conhecer os nossos heróis precisamente para entendermos que são humanos como nós. O Kip Thorne, sendo uma pessoa notável, deixa a imagem de um homem modesto e de poucas porém sábias palavras.

Como ele, qualquer um de nós pode contribuir para o avanço da nossa sociedade, todo humano pode e deve contemplar a magnificência que a natureza nos proporciona durante o pouco mas valioso tempo que temos para fazê-lo, pois isso mesmo é ser humano.


Kip Thorne é um renomado físico teórico norte-americano, especialista em ondas gravitacionais e coautor do livro Gravitation, em que a maior parte da atual geração de cientistas aprendeu a relatividade geral. Escreveu também, entre outros livros, Black Holes & Time Warps e The Science of Interstellar e foi cofundador do Projeto LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), com o qual ainda está associado.

É membro do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) desde 1967. Seus prêmios incluem o Prêmio Lilienfeld da Sociedade Americana de Física, a medalha Karl Schwarzschild da Sociedade Astronômica Alemã, a medalha Albert Einstein da Sociedade Albert Einstein. Recebeu, em conjunto com Rainer Weiss e Barry C. Barish, o Nobel de Física de 2017.

Também é conhecido por ter sido o consultor científico e coprodutor do filme Interstellar (lançado no Brasil como Interestelar), do diretor Christopher Nolan.

Sua página web:

https://www.its.caltech.edu/~kip/index.html/biosketch.html

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